sábado, 5 de dezembro de 2009

Ary dos Santos


RETRATO DE ALVES REDOL



Porém se por alguém não foi ninguém

cantou e disse flor canção amigo

a si o deve.A si e mais a quem

floriu cresceu cantou lutou consigo.


Homem que vive só não vive bem

morto que morre só é negativo

morrer é separar-se de ninguém

e contudo com todos ficar vivo.


Nado-vivo da morte. É isso. É isso.

Uma espécie de forno de bigorna

de corpo imorredoiro que transforma

em fusão o metal do compromisso:

Forjar o conteúdo pela forma:

marrar até morrer. E dar por isso.



POETA CASTRADO, NÃO!


Serei tudo o que disserem

por inveja ou negação:

cabeçudo dromedário

fogueira de exibição

teorema corolário

poema de mão em mão

lãzudo publicitário

malabarista cabrão.

Serei tudo o que disserem:

Poeta castrado não!


Os que entendem como eu

as linhas com que me escrevo

reconhecem o que é meu

em tudo quanto lhes devo:

ternura como já disse

sempre que faço um poema;

saudade que se partisse

me alagaria de pena;

e também uma alegria

uma coragem serena

em renegar a poesia

quando ela nos envenena.


Os que entendem como eu

a força que tem um verso

reconhecem o que é seu

quando lhes mostro o reverso:


Da fome já não se fala

– é tão vulgar que nos cansa

– mas que dizer de uma bala

num esqueleto de criança?


Do frio não reza a história

– a morte é branda e letal

–mas que dizer da memóriade

uma bomba de napalm?


E o resto que pode ser

o poema dia a dia?

– Um bisturi a crescer

nas coxas de uma judia;

um filho que vai nascer

parido por asfixia?!

– Ah não me venham dizer

que é fonética a poesia!


Serei tudo o que disserem

por temor ou negação:

Demagogo mau profeta

falso médico ladrão

prostituta proxeneta

espoleta televisão.

Serei tudo o que disserem:

Poeta castrado não

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